Há 54 anos, em 15 de abril de 1971, o empresário Henning Albert Boilesen era executado em uma emboscada organizada por movimentos de resistência à ditadura militar.
Presidente da Ultragaz, Boilesen participou da conspiração empresarial que viabilizou o golpe de 1964 e foi um fervoroso apoiador da ditadura militar. Ele ajudou a instituir a rede de financiamento empresarial ao aparato repressivo do regime, provendo os recursos utilizados pela Operação Bandeirante para torturar e assassinar opositores.
Boilesen também foi acusado de ter o hábito de assistir pessoalmente às torturas conduzidas nos porões da ditadura. Esses fatos o transformaram em alvo preferencial de uma operação de justiçamento conduzida pelo Movimento Revolucionário Tiradentes e pela Ação Libertadora Nacional.
A carreira executiva
Nascido na Dinamarca em 1916, Henning Albert Boilesen imigrou para o Brasil em meados da década de 1930. À época, o país experimentava um processo acelerado de industrialização, criando muitas oportunidades de investimento.
Boilesen conseguiu estabelecer uma bem sucedida trajetória empresarial no Brasil, tecendo uma rede de contatos influentes junto à elite industrial. Ele se naturalizou brasileiro e se tornou uma figura de destaque na alta sociedade paulistana, chegando a ocupar a presidência de uma seção do Rotary Club.
Nos anos 60, Boilesen assumiu a presidência da Ultragaz — a maior distribuidora de gás de cozinha do país. A empresa era a mais rentável do Grupo Ultra, conglomerado atuante nos ramos de energia e logística, fundado por Ernesto Igel.
Bem relacionado entre os industriais, o executivo seria eleito para integrar a diretoria da FIESP — a poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, que congregava dezenas de associações patronais. Ele também foi um dos fundadores do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE).
O golpe de 64
Para além de atuação empresarial, Boilesen se tornou conhecido por suas atividades políticas. Anticomunista fervoroso, ele foi um dos empresários mais enérgicos na oposição ao governo de João Goulart, participando com entusiasmo da mobilização que resultou no golpe militar de 1964.
Boilesen foi um dos membros mais ativos do IPES, o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais. Fundado pela CIA e parcialmente financiado com recursos provenientes do governo norte-americano, o IPES se transformou no principal núcleo de oposição a Goulart.
O think tank era responsável por articular a ação coordenada do empresariado brasileiro, produzir e distribuir propaganda antigovernista em larga escala e financiar a mobilização dos grupos reacionários que pressionavam os militares a tomarem o poder.
Consumado o golpe de 1964, Boilesen defendeu a instauração de um regime de exceção, como uma medida necessária para interromper um alegado “processo de cubanização” do Brasil.
O executivo tornou-se muito próximo da ditadura militar, a ponto de encabeçar algumas missões extra-oficiais do regime. Em 1970, por exemplo, Boilesen foi à Noruega para tentar impedir que Dom Helder Câmara fosse laureado com o Prêmio Nobel da Paz.
Conhecido por sua firme oposição e pelas denúncias dos abusos cometidos pela ditadura militar, Dom Helder era considerado o favorito para vencer o Nobel — o que resultaria em um constrangimento para os generais. Munido de um dossiê vilanizando o arcebispo, Boilesen pressionaria os membros do comitê do Instituto Nobel a desistirem da ideia.
A atuação política de Boilesen não se limitava ao Brasil. O empresário também foi acusado de ajudar a articular o golpe militar de 1971 na Bolívia, que derrubou o presidente Juan José Torres e inaugurou a sanguinária ditadura de Hugo Banzer.
Ao lado de empresários bolivianos, Boilesen ajudou a criar o “Centro de Estudos Latino-Americanos”, uma organização que empregaria na Bolívia a mesma estratégia utilizada pelo IPES contra Goulart no Brasil.
Henning Albert Boilesen, presidente da Ultragaz
A Operação Bandeirante
Henning Albert Boilesen foi um dos primeiros executivos a contribuir financeiramente com o aparato repressivo da ditadura, doando grandes somas de dinheiro para a Operação Bandeirante (OBAN).
Criada em São Paulo em junho de 1969, pouco tempo após a promulgação do AI-5, a OBAN se tornaria um dos principais centros de inteligência e repressão durante os “Anos de Chumbo”.
A organização congregava homens das três Forças Armadas, agentes do DOPS, policiais militares e membros de outros órgãos de segurança. A OBAN foi o embrião do Destacamento de Operações e Informações – Coordenação de Defesa Interna — o infame DOI-CODI, órgão que conduziria nacionalmente a repressão do regime.
A OBAN fez uso sistemático de torturas e execuções sumárias ao reprimir os opositores da ditadura. Um de seus comandantes mais conhecidos foi o coronel Carlos Brilhante Ustra — o primeiro militar condenado pela prática de tortura no Brasil.
Como não era um órgão oficial do Estado, a OBAN não possuía um orçamento consignado pelo erário. Sua verba era alocada de forma clandestina e boa parte dos recursos eram provenientes de doações do empresariado paulista que apoiava a ditadura.
Além de contribuir financeiramente com a OBAN, Boilesen arregimentava outros empresários para patrocinarem a iniciativa, coordenando a principal rede de financiamento do aparelho repressivo. Também foram acusados de auxiliar na captação de recursos o empresário Paulo Henrique Sawaya Neto, o banqueiro Gastão Vidigal (Banco Mercantil) e o economista Delfim Netto (então Ministro da Fazenda).
Entre os financiadores da OBAN estavam executivos de empresas como Grupo Ultra, Companhia Antarctica, Camargo Corrêa, Ford, Chrysler, Volkswagen, Scania, Nestlé, Alcan, Banco Itaú, Bradesco e muitas outras. O
Grupo Folha, responsável por publicar o jornal Folha de S. Paulo, foi acusado de emprestar veículos para uso da operação. E a Supergel teria contribuído com a entrega de refeições.
Nos porões do regime
A lealdade dos empresários à ditadura seria recompensada com a concessão de subsídios, renegociação de dívidas e a assinatura de contratos multimilionários — além de medidas econômicas que visavam baratear o custo de produção e debilitar a força do movimento trabalhista, como o arrocho dos salários e os ataques aos sindicatos.
Para boa parte dos empresários, entretanto, o apoio ao aparato repressivo era uma questão de fundo ideológico, calcada no fanatismo político, no ódio exacerbado contra a esquerda e as organizações populares.
Era o caso de Boilesen, conhecido pela postura profundamente reacionária. O empresário convivia com algumas das figuras mais nefastas do regime, incluindo o torturador Sérgio Fleury. Pouco tempo antes de sua morte, Boilesen chegou a propor a criação da “Associação dos Combatentes Brasileiros” — uma nova organização paramilitar que daria apoio às ações repressivas da ditadura.
Diversas pessoas, incluindo presos políticos, acusaram Boilesen de ter o hábito sádico de frequentar as instalações do DOPS e da OBAN para acompanhar pessoalmente as sessões de tortura. Segundo alguns relatos, o empresário teria participado diretamente da tortura em algumas ocasiões.
Boilesen também foi acusado de doar aos órgãos de repressão um aparelho de eletrochoque que ele teria adquirido nos Estados Unidos. O dispositivo, dito “pianola Boilesen”, consistia em um teclado que soltava descargas elétricas crescentes.
Embora rechaçadas pelos familiares de Boilesen, as acusações de presos políticos de que o empresário frequentava os porões da ditadura foram referendadas por agentes do regime. O ex-delegado José Paulo Bonchristiano, por exemplo, confirmou ter visto Boilesen na sede do DOPS algumas e disse que seus colegas também o viam com frequência.
A execução
A participação de Boilesen na campanha de financiamento da repressão e os relatos de que o empresário acompanhava pessoalmente as torturas levaram a Ação Libertadora Nacional (ALN) e o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) a elaborarem um plano para eliminá-lo.
Em 15 de abril de 1971, Boilesen foi executado durante uma emboscada no bairro paulistano dos Jardins. O empresário dirigia um luxuoso Ford Galaxie pela Alameda Casa Branca, quando foi interceptado por dois Fuscas. Boilesen tentou fugir a pé, mas foi alcançado pelos guerrilheiros. Alvejado com 19 tiros, o empresário caiu agonizando na sarjeta.
O tiro de misericórdia foi dado por Carlos Eugênio Paz, o “Comandante Clemente”. No local, os guerrilheiros deixaram panfletos assumindo a autoria do justiçamento, nos quais se lia: “Henning Albert Boilesen foi justiçado, não pode mais fiscalizar pessoalmente as torturas e assassinatos na Oban. Olho por olho, dente por dente”.
A escolha do local da emboscada também tinha um peso simbólico. A ação ocorreu no mesmo lugar onde Carlos Marighella tinha sido fuzilado em 1969, durante uma operação comandada por Sérgio Fleury.
A morte de Boilesen chocou a elite empresarial e a imprensa. A execução foi rotulada como um episódio de “terrorismo da esquerda”, ao passo que Boilesen foi apresentado como uma vítima inocente, em reportagens recheadas de epítetos como “pai de família”, “cidadão de bem” e “amante da arte e da cultura brasileira”. Uma rua em São Paulo foi batizada com o nome do empresário.
A história de Boilesen e de seu justiçamento foram temas do documentário “Cidadão Boilesen”, dirigido por Chaim Lietwski. A obra venceu a edição de 2009 do festival “É Tudo Verdade”.
Fonte: Opera Mundi