Na contramão da maioria da esquerda francesa que, desde segunda-feira (31/03), comemora a condenação de inelegibilidade da liderança da extrema direita Marine Le Pen, do Reagrupamento Nacional (RN), Jean-Luc Mélenchon, fundador da França Insubmissa (LFI, em francês), criticou o veredicto do Tribunal Penal de Paris: ” adecisão de destituir um governante eleito deve caber ao povo”.
Após o veredito que impede Le Pen de concorrer a cargos públicos por cinco anos, o coordenador da França Insubmissa, Manuel Bompard, divulgou uma nota sobre a decisão, afirmando que o movimento “nunca teve como meio de ação recorrer a um tribunal para se livrar” dos ultradireitistas. Minutos depois, Mélenchon postou em sua conta oficial na plataforma X:
“Apoio totalmente a declaração da coordenação do movimento rebelde. E acrescento: a decisão de destituir um governante eleito deve ser do povo. É para isso que serviria o referendo revogatório em uma 6ª República democrática”.
Terceiro colocado nas eleições presidenciais de 2022, Mélenchon afirmou nunca ter desejado que um adversário nas urnas fosse eliminado por meios legais, e declarou que a inelegibilidade imediata, sem esperar pelo julgamento do recurso, “não é justa”. “Em um Estado governado pelo império da lei, todos devem ter o direito de apelar. Se recusarmos isso a Marine Le Pen, então esse direito será recusado a todos, e isso seria um erro”, pontuou.
A posição de Mélenchon vai na contramão de outros partidos e movimentos do campo progressista que concordaram com a decisão do tribunal e criticaram os comentários do líder da França Insubmissa. Uma dessas críticas veio de Chloé Ridel, eurodeputada e porta-voz do Partido Socialista. Para ela, a posição de Mélenchon é “perigosa” em um momento que, segundo a política, “devemos nos unir para defender a independência do Judiciário”.
Lawfare
Como destaca o jornal francês Le Monde, essa não é a primeira manifestação do líder de esquerda neste sentido. Em novembro de 2024, por ocasião das alegações finais do Ministério Público contra Le Pen, ele foi contra a aplicação imediata da inelegibilidade. “Na França e em todo o mundo, há dúvidas sobre a ação da justiça na arena política (…). Uma pena de inelegibilidade não deve ser aplicada antes de esgotadas todas as vias de recurso”, afirmou.
Mélechon, que inclusive visitou o presidente Lula na sede da Polícia Federal de Curitiba em 2019, é uma forte voz contra o processo de lawfare no país, do qual foi vítima. Em 2018, em meio à perseguição, ele assinou um artigo no Le Journal du dimanche, intitulado O tempo dos julgamentos políticos deve acabar, junto a 200 personalidades, incluindo o Lula, o fundador do partido espanhol Podemos, Pablo Iglesias, e o ex-presidente do Equador, Rafael Correa.
“O lawfare começa com denúncias sem provas, prossegue com campanhas obsessivas de difamação nos meios de comunicação social e obriga os seus alvos a apresentar justificações inúteis e intermináveis (…). O lawfare confina os debates políticos aos tribunais. Por fim, distorce o desenrolar das eleições, que já não são verdadeiramente livres”, diz o texto.
Melénchon critica decisão do Tribunal Penal de Paris contra adversária Marine Le Pen
Ele também é autor do livro Et ainsi de suite – un procès politique en France (E assim por diante – um julgamento político na França, em tradução livre; Plon, 2019), no qual argumenta que o sistema de justiça francês não é mais confiável.
A nota da França Insubmissa
Em nota, sobre a decisão contra Le Pen, o LFI aponta que os fatos são particularmente graves e “contradizem completamente o slogan ‘cabeças erguidas e mãos limpas’ com o qual este partido, [o Reagrupamento Nacional], há muito procura prosperar”.
Mas, acrescenta que a França Insubmissa “nunca teve como meio de ação usar um tribunal para se livrar do Reagrupamento Nacional”. O documento aponta que luta contra a extrema direita “nas urnas e nas ruas, por meio da mobilização popular do povo francês, como pudemos fazer durante as eleições legislativas de 2024”. E garante: “também venceremos [o RN] amanhã nas urnas, seja quem for o seu candidato”.
Com fortes críticas ao atual governo, a petição solicita à Assembleia Nacional que se posicione a favor da convocação de uma Assembleia Constituinte para redigir a Constituição da 6ª República, de acordo com a resolução nº 788 apresentada em 21 de janeiro de 2025. “O fracasso de Emmanuel Macron em respeitar as eleições legislativas de julho de 2024 mergulhou a França em uma grande crise política”, diz o texto.
O LFI também destaca que “a ameaça representada pela extrema direita à democracia deve ser levada a sério” e que “a situação atual ilustra a natureza ultrapassada de nossa Constituição, que não corresponde mais à França de hoje (…) O uso repetido do 49-3, a aprovação forçada da reforma da previdência, a repressão aos Coletes Amarelos, aos Levantes da Terra, às mobilizações sociais, feministas, antirracistas e aos contrários à violência policial, são exemplos da concentração abusiva de poder nas mãos do governo e do presidente da República”.
Condenação de Le Pen
Le Pen foi declarada culpada na última segunda-feira por desvio de verbas públicas. Além de ficar imediatamente inelegível por cinco anos, ela foi sentenciada a quatro anos de prisão – dois dos quais serão suspensos e os outros dois em prisão domiciliar – e a uma multa de 100 mil euros.
Além dela, o Tribunal Penal de Paris condenou outros oito membros do partido e 12 assistentes parlamentares pelo desvio de 4,1 milhões de euros, sendo apenas Le Pen responsável por 474 mil euros desviados.
Segundo o Tribunal, a investigação não deixou dúvidas sobre a existência de um “sistema” organizado desde a cúpula do partido para desviar dinheiro público. Na sentença, a avaliação é de que embora não tenha havido “ganho pessoal”, os criminosos agiram para o conforto dos líderes do partido.
O caso ainda pode acabar nas Câmaras do Conselho Constitucional.
Fonte: Opera Mundi