quarta-feira, abril 23, 2025

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Netanyahu vai pagar pelos crimes de forma política, não pelo TPI


O dia em que o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, for punido pelos seus crimes cometidos na Faixa de Gaza, em um genocídio que já resultou na morte de mais de 50 mil palestinos, isso ocorrerá de forma política e não jurídica, pois “o direito internacional é muito frágil”, avaliou Amanda Harumy, doutora em Integração da América Latina pelo Prolam/USP, em entrevista a Opera Mundi.

Na quarta-feira (02/04), o premiê israelense desembarcou em Budapeste a convite do presidente húngaro, Viktor Orbán, em uma medida provocativa ao Tribunal Penal Internacional (TPI), que emitiu mandados de prisão contra o líder sionista e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant. Ambos se tornaram procurados internacionais em novembro passado, por crimes de guerra e contra a humanidade na Palestina. 

Quando Netanyahu confirmou sua viagem de quatro dias à nação que lhe prometeu impunidade, muito se questionou sobre as possíveis consequências que a postura húngara poderia acarretar ao país ao violar um mandado expedido pelo mais alto tribunal. No entanto, após o desembarque, nada aconteceu. Pelo contrário, a Hungria anunciou sua saída do TPI.





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De acordo com Harumy, a visita de Netanyahu deixa evidente as limitações do direito internacional “dentro da capacidade coercitiva que só os Estados-nações possuem”. Ou seja, na prática, a cientista política apontou que não existe nenhuma ação do TPI que obrigará um país, embora signatário do Estatuto de Roma, a prender um alvo de mandado, já que dependerá de uma “vontade política e diplomática interna do país”. 

X/Benjamin Netanyahu
O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, ao lado de seu homólogo húngaro, Viktor Orbán, durante encontro em Budapeste

“No próprio Estatuto de Roma, que é o documento que rege o Tribunal Penal Internacional, diz que se ocorrer um descumprimento, pode chegar ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. Ou seja, levar para uma outra instância a qual a gente sabe também que há correlação de forças, interesses políticos, capacidade de poder. Então, na realidade, o poder se sobrepõe às normas do direito internacional”, explicou.

Partindo do ponto de que o TPI possui uma limitação estrutural, a especialista destacou que a entidade é dependente de uma cooperação jurídica e política global, mas também do próprio Estado-nação que decidirá, ou não, cumprir a ordem internacional. No caso, a Hungria, sob liderança de Orbán, é politicamente alinhada ao governo de Israel.

“A atitude da Hungria de mostrar politicamente que vai descumprir [a ordem do TPI] só fortalece o que nós vemos no cenário internacional, de que os interesses geopolíticos, de guerra, econômicos, financeiros, ideológicos sobrepõem o direito internacional”, afirmou Harumy.

Leia a entrevista na íntegra:

Opera Mundi: Quais são as penalidades previstas pela Corte internacional em caso de qualquer Estado-membro descumprir a ordem judicial determinada pela casa?

Amanda Harumy: o caso da Hungria deixa evidente os limites do direito internacional, até mesmo do TPI, do espaço internacional em si, dentro da capacidade coercitiva que só os Estados-nações possuem. Então não existe uma ação internacional que vá fazer com que a Hungria prenda o Netanyahu. Dependeria de uma vontade política e diplomática interna do país.

Então, mais uma vez o direito internacional é limitante. E nesse caso, como a gente sabe das proximidades políticas, a vontade política da Hungria não é essa [de prender Netanyahu], então não existe algo efetivo que vá ocorrer.

No próprio Estatuto de Roma, que é o documento que rege o Tribunal Penal Internacional, diz que se ocorrer um descumprimento, pode chegar ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Ou seja, levar para uma outra instância a qual a gente sabe também que há correlação de forças, interesses políticos, capacidade de poder. Então, na realidade, o poder se sobrepõe às normas do direito internacional.

Não existe uma perspectiva de que o TPI ou a ONU ou própria lógica do direito internacional vá dar conta de ter uma ação coercitiva e de levar o Netanyahu até a cadeia.

Precisamos entender que o processo é político. Se um dia a gente alcançar esse momento em que Netanyahu pague pelos seus crimes contra a humanidade, seja responsabilizado pelo genocídio na Palestina, isso vai ocorrer de forma política. Juridicamente o direito internacional é muito frágil.

As penalidades já estão determinadas sob as cláusulas do TPI ou dependem das circunstâncias específicas nas quais uma ordem foi descumprida?

Depende mais das circunstâncias específicas. Não existe uma estrutura rígida ou pré-determinada. O descumprimento vai passar por uma uma avaliação do TPI jurídica, política, e dos próprios Conselhos de Segurança da ONU.

É um processo específico, flexível, abstrato até mesmo, e tem muita influência da carga política, do tamanho político de cada nação, pressão, articulação.

Então, obviamente que, quando líderes como Netanyahu já têm essa determinação no TPI, eles não se movimentam sem antes ter a certeza dessa segurança jurídica e política dos países em que estão visitando.

A Hungria tem a possibilidade de driblar essas punições? 

O Orbán, como líder de extrema direita politicamente alinhado a Netanyahu, vai trazer suas justificativas políticas, mas dentro da compreensão de Estado-nação, de soberania e a própria autodeterminação dos povos. A Hungria tem a autonomia para se movimentar, não existe uma obrigatoriedade em si. Apesar de estar firmado esse compromisso, não existe uma orientação obrigatória de que a Hungria tem que cumprir essa prisão.

Essa cena favorece um processo de denúncia política do genocídio, de denúncia política do descumprimento do direito internacional, da Carta das Nações Unidas ou até mesmo do TPI. Uma denúncia política que deve ser feita. Mas a Hungria em si tem autonomia e o TPI tem uma limitação estrutural. 

Existiria alguma punição para Israel?

Israel, por exemplo, não é nem signatário do TPI, do Estatuto de Roma. Então pode dizer que ele nem conhece essa jurisprudência, ele nem conhece essas normas. Mas estamos falando de um jogo internacional, uma articulação e a própria legitimidade do TPI já está muito contestada, porque esses imbróglios diplomáticos são constantes, e a fragilidade do direito internacional fica evidente.

Como movimento político, tem que ser denunciado um descumprimento do direito internacional, um descumprimento do TPI. Mas a soberania e a realidade política nos mostram que a Hungria não necessariamente vá realizar essa prisão e também não tem nenhuma instância que a obrigue a fazer isso.

O descumprimento das medidas legais anunciadas pelo TPI representa uma certa fragilidade da entidade? A postura da Hungria não abriria espaço para que outros Estados-membros também descumpram as ordens do tribunal?

Sim. O TPI tem uma limitação estrutural, dependeria de uma montagem política muito grande, dependeria de cooperação jurídica, mas do Estado-nacional em realizar a prisão [de Netanyahu].

A atitude da Hungria de mostrar politicamente que vai descumprir [a ordem do TPI] só fortalece o que nós vemos no cenário internacional, de que os interesses geopolíticos, de guerra, econômicos, financeiros, ideológicos sobrepõem o direito internacional. A gente tem que evidenciar que é um momento de crise do multilateralismo, de crise das organizações, de crise até mesmo epistemológica do direito internacional.

Seria hipocrisia países que se omitiram em relação à postura húngara apoiarem a prisão do presidente russo Vladimir Putin, também alvo do TPI, em acusações ligadas à guerra na Ucrânia?

Esse foi um debate inclusive no Brasil e provavelmente pode ser também na cúpula do BRICS. No G20, que existiu uma pressão muito forte do Brasil não receber o Putin, foi feito um acordo de cavalheiros para não colocar o Lula nesse constrangimento porque provavelmente ele receberia muita pressão, mas também não teria capacidade política e jurídica para prender o Putin.

Então, o Putin não veio, mandou o Lavrov e sua equipe diplomática. Porém fica evidente isso: tanto o Putin quanto o Netanyahu é de que as suas capacidades comercial e financeira influenciam muito mais do que essa interpretação e definição do TPI.

O jogo político está materializado na realidade e na disputa de poder. Seria muito difícil, impossível quase, o Brasil, por exemplo, prender o Putin em uma cúpula de chefes de Estado. Então é um pouco de romantismo ou até mesmo infantilidade acreditar que um tratado vá dar conta de resolver todas as disputas geopolíticas.



Fonte: Opera Mundi

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