Foi num acampamento em Urubici, na Serra catarinense, 915 metros acima do nível do mar, que Sandro Tasqueto, então educador físico, decidiu que seria nas alturas que criaria raízes. Gaúcho, filho de agricultores, ele viu nas belezas da cidade mais acolhedora do Brasil (segundo um ranking elaborado por uma plataforma de viagens) o lugar aonde voltaria a se conectar com sua origem. Comprou, ao lado da esposa, Carla Geraldi, um pedaço de terra.
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— Foi onde eu me reconectei com a minha infância. A primeira vez que eu acampei aqui eu tive a certeza de que eu iria morar aqui — diz Sandro, que é filho de agricultores, mas saiu do interior graças ao êxodo rural. Foi buscar a vida na cidade, mas, como o bom filho à casa torna, se viu cuidando da terra de novo, como os pais faziam.
O casal dividiu por anos o tempo entre a propriedade em Urubici e a vida na cidade, em Brusque, no Vale do Itajaí, onde eles vieram morar após deixar o Rio Grande do Sul. Mas só anos depois, em uma viagem à Patagônia Argentina, que as frutas vermelhas entraram em cena.
Carla, nutricionista de formação, conta que o casal considerou o clima frio da Serra catarinense e o pouco espaço disponível para a plantação. O terreno acidentado da região, cheia de morros e curvas que tornam a paisagem deslumbrante, também entrou na equação.
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— A gente pode degustar aquilo e foi tão prazeroso. Pensamos, “temos o clima parecido, podemos ter isso também”, e aí os nossos olhos se abriram para essa possibilidade — lembra a nutricionista.
Hoje, o casal não apenas produz framboesas, amoras, mirtilos e morangos, como também é responsável por criar uma rede de 15 famílias de produtores, em Urubici, e outros 20 espalhados pelo Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A cooperação multiplicou os ganhos e abriu as portas para novos negócios, que vão desde a venda das frutas vermelhas, passando pelo beneficiamento, e até ao turismo. Tudo sob a perspectiva da sustentabilidade, com produtos orgânicos.
— O nosso maior desafio foi produzir uma fruta sensível com a ideologia do manejo orgânico — afirma Sandro. Deu certo: atualmente, o casal chega a colher 150 toneladas de frutas por ano.
Sendo tudo orgânico (até a horta da propriedade, que alimenta os funcionários, não pode receber agrotóxicos, uma condição do certificado de produto orgânico das frutas), o desafio começa na escolha da variedade a ser plantada, e passa também pelos cuidados com as plantas.
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Thomás Martins, agrônomo responsável pelos pomares, explica que a nutrição do solo é essencial para que a planta fique forte o suficiente para combater as doenças e pragas, assim como sobreviver às variações climáticas.
Variações estas que fizeram os produtores até precisarem mudar a variedade do mirtilo plantado. A escolha anterior era de uma planta que precisava de 800 horas de frio para completar o ciclo. Mas, mesmo em Urubici, onde as mínimas no inverno ficam em torno dos 7°C, alcançar todas as horas necessárias para isso é mais difícil. Por isso uma troca foi feita e, agora, as plantas cultivadas precisam de 350 a 400 horas de frio para se desenvolverem.
Os pomares são plantados em fileiras, com as mudas espaçadas a cada 40 centímetros a 1,5 metro, dependendo da fruta. Entre as fileiras, o espaço tem que ser suficiente para que o sol entre, e os trabalhadores façam a colheita, que, aliás, é 100% manual.
Além da colheita ser feita fruta a fruta, com muito cuidado e delicadeza, a amora e a framboesa ainda precisam de ajuda para crescer. Isso se chama tutoramento, quando linhas paralelas são estendidas e as plantas recebem uma ajudinha para ficar de pé. Isso garante que toda a planta receba sol e o ar circule entre as folhas.
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Das frutas vermelhas cultivadas pelo Sandro, a framboesa é a mais delicada e exigente. Ela precisa de mais frio, é mais sensível ao ataque de pragas, e também não se dá bem em solo encharcado, o que exige mais atenção do produtor, especialmente se o objetivo é manter a produção orgânica.
Todo este cuidado, no entanto, é retribuído em rentabilidade, segundo o engenheiro agrônomo Thomás Martins:
— A procura do mercado é muito maior que a produção que temos hoje — pontua. Isso se torna uma oportunidade para o agricultor.
Ainda não há, no entanto, estatísticas oficiais sobre a produção total de frutas vermelhas no Brasil. O que sabe é que o colhido no país não é suficiente para suprir a demanda, o que faz com que boa parte do consumo seja de frutas vindas de fora do país: segundo a secretaria de Comércio Exterior, mais de 3,2 mil toneladas foram importadas, especialmente do Peru, Chile e China.
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Necessidade de mão de obra abre oportunidade para inovação
Foi na dificuldade de conseguir mão de obra para a colheita de amora, que o casal Lucas Eleutério e Thayse Ramos viram uma oportunidade. Só os dois (e o apoio da filha mais velha, Carol, de só 6 anos), não era possível dar conta da colheita total das frutas. Isso porque o período que elas ficam maduras e precisam ser colhidas é muito curto, de 30 a 40 dias, e este período se atravessa no meio da safra da maçã, carro-chefe da agricultura da Serra catarinense.
Como ainda não há dados oficiais sobre a produção de framboesa, mirtilo ou amora em Santa Catarina (e nem no Brasil), a comparação fica mais difícil, mas a safra da maçã, no ano agrícola de 2024/25, já produziu 545 mil toneladas da fruta. Urubici lidera o ranking dos municípios: na cidade, já foram mais de 36 mil toneladas colhidas.
Com essa dificuldade, Lucas, bancário, e Thayse, professora, então foram atrás de uma solução diferente: eles se cadastraram em uma plataforma on-line que conecta anfitriões a turistas de todo o mundo. É assim que eles conseguem mão de obra para ajudar na colheita, pelo chamado turismo colaborativo.
Pablo Alexsander é fotógrafo e vive viajando o Brasil, como nômade. Veio para em Urubici, e aproveitou para colaborar no pomar de Lucas e Thayse. Ele e Emanuelle Vasconcelos, pedagoga, trabalham por quatro horas diárias, de segunda a sexta, em troca de alimentação e hospedagem. É uma via de mão dupla.
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— A gente também aprende muito. Eu nunca tinha visto amora na minha vida! — revela a paraense.
Tem também propriedades que vendem direto pro consumidor o que ele pode vir e colher. É simples: o turista entra no pomar com uma embalagem, colhe as frutas que quer e, depois, paga pelo peso. Em uma propriedade de Urubici, 500 gramas podem sair por R$ 25 a R$ 35.
O caminho das frutas
Lucas e Thayse integram a cooperativa criada por Sandro e Carla. É um ciclo de colaboração: Sandro incentiva os produtores a plantar as frutinhas ensinando o cultivo, dando assistência técnica (como o apoio de engenheiros agrônomos), e emprestando até os congeladores para armazenar as frutas. Mais do que isso, ele garante a compra de toda a produção, por um preço justo para o produto orgânico.
Pela amora, ele paga de R$ 8 a R$ 9 o quilo. Já o mirtilo é mais caro, de R$ 22 a R$ 23 por quilo. A framboesa é a mais valorizada, podendo chegar a R$ 27 o quilo. Com estes preços, a estimativa é que a margem de lucro dos produtores chegue a 50%.
Foi graças a esta cooperação que Lucas e Thayse conseguiram chegar a mais de três toneladas colhidas anualmente em um pomar de apenas 0,3 hectare.
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— A gente não sabia nada. A gente tinha vontade de fazer, mas não tínhamos o conhecimento prático — revela Thayse. A família caminha para a sétima safra de amora, da variedade Tupi, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Do pomar, colhidas com apoio de turistas como o Pablo e a Emanuelle, as frutas tem que ser levadas rapidamente para câmaras frias, cedidas pelo Sandro. Isso porque as amoras, assim como as framboesas e os morangos, duram pouco tempo fora do pé, e por isso precisam ser congeladas logo.
Uma parte da produção fica na propriedade do Lucas e da Thayse, para atender os turistas. A outra parte vai para a sede do projeto de cooperação, junto com as frutas dos outros 14 parceiros. Lá, a agroindústria montada por eles despacha as frutas: cerca de 5% é beneficiada e é usada para fazer produtos como geleia ou ketchup frutado. O restante é embalado em pacotes congelados de um quilo, que atravessam a Serra e atendem 2 mil clientes espalhados pelo Brasil.
Critérios da produção de orgânicos
Para que um produto, seja uma fruta ou um vegetal, possa ser comercializado como orgânico, é preciso que ele atenda a uma série de critérios, avaliados por órgãos credenciados no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
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Produzir orgânicos leva em conta a oferta de produtos saudáveis, que não tenham adições de contaminantes que possam ser evitados, além da preservação do ecossistema, considerando ainda a saúde do trabalhador, do produtor ou até do consumidor final.
Estes produtos são sinalizados por um selo na embalagem, ou ficam expostos em seções diferentes dos supermercados ou feiras.
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Fonte: NSC