Há 54 anos, em 7 de abril de 1971, Moçambique dizia adeus a uma de suas figuras mais emblemáticas: Josina Machel, heroína da independência moçambicana, falecia precocemente aos 25 anos de idade.
Militante da Frente de Libertação de Moçambique, Josina participou da luta armada contra o domínio colonial português. Ela foi uma das fundadoras do Destacamento Feminino da FRELIMO e ajudou a implementar o trabalho social que angariou amplo apoio popular ao movimento pela independência.
À frente do Departamento de Assuntos Sociais, Josina implementou creches, escolas e centros de saúde nos territórios libertados pela FRELIMO. E dirigindo a seção feminina do Departamento de Relações Exteriores, ela fortaleceu a luta pela igualdade de gênero.
Josina foi também esposa de Samora Machel, comandante do Exército revolucionário e primeiro presidente de Moçambique. A data da morte de Josina foi consagrada como feriado nacional, em que se celebra o Dia da Mulher Moçambicana.
Os primeiros anos de Josina Machel
Josina Muthemba nasceu em 10 de agosto de 1945 em Vilanculos, na província de Inhambane, ao sul de Moçambique — à época, uma colônia de Portugal. Ela era filha de Alfina Hobjana e de Abiatar Muthemba. A família Muthemba é conhecida por seu envolvimento histórico com a resistência anticolonial em Moçambique.
O pai de Josina foi preso pelas autoridades portuguesas e seu avô, Sansão Muthemba, era um pregador conhecido por denunciar os crimes da colonização. Seu tio, Mateus Muthemba, também foi um destacado revolucionário da FRELIMO. Seu pai trabalhava como enfermeiro e era constantemente transferido para hospitais em diferentes regiões de Moçambique, o que a obrigou a se mudar muitas vezes durante a infância. Ela estudou em várias escolas, nas províncias de Cabo Delgado, Manica, Gaza e Sofala.
Em 1956, aos 11 anos de idade, Josina se transferiu para Lourenço Marques (atual Maputo), a fim de concluir o ensino básico. Na capital moçambicana, morou na casa de sua avó materna, Ana Macome, localizada no bairro de Chamanculo, um dos redutos do movimento independentista.
Josina iniciou sua militância política enquanto cursava o ensino secundário na Escola Comercial. Ela ingressou no Núcleo dos Estudantes Secundários Africanos de Moçambique (NESAM) — uma organização estudantil ativa no movimento independentista — e teve seus primeiros contatos com os grupos revolucionários.
A militância na FRELIMO e a prisão
Em junho de 1962, os líderes do movimento independentista fundaram na Tanzânia a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Sob a liderança de Eduardo Mondlane e Samora Machel, a FRELIMO se tornaria a mais combativa organização da luta anticolonial em Moçambique.
Em 1964, a organização daria início à Guerra de Independência contra Portugal, lançando um ataque contra um posto colonial na província de Cabo Delgado. Entusiasmada com o avanço do movimento anticolonial, Josina ingressou em uma célula clandestina da FRELIMO. A princípio, ela atuou nas tarefas de agitação e mobilização, buscando recrutar novos militantes para a causa autonomista.
Ainda em 1964, Josina se juntou um grupo de estudantes que fugiu de Moçambique para se juntar às forças da FRELIMO na Tanzânia. Alertados sobre a intenção do grupo, os agentes da PIDE (polícia política do regime colonial) se prepararam para interceptar o comboio.
Os jovens conseguiram despistar os agentes e prosseguiram a viagem a pé, percorrendo mais de 100 quilômetros até a Rodésia do Sul (atual Zimbábue). Mas, antes que conseguissem chegar à Tanzânia, os estudantes foram presos pela polícia rodesiana e enviados de volta para Moçambique, sendo então encarcerados.
Josina ficou presa na Vila Algarve, a sede da PIDE, e foi submetida a torturas e interrogatórios violentos. O governo português a libertou após cinco meses, cedendo à pressão internacional gerada por uma campanha de solidariedade da FRELIMO.
A fuga para a Tanzânia
Em abril de 1965, Josina empreendeu mais uma tentativa de fuga rumo à Tanzânia, acompanhada por um grupo de estudantes. Dessa vez, os jovens traçaram uma rota pela Suazilândia, mas foram novamente interceptados e detidos em um campo de refugiados.
Antes que fossem deportados, os estudantes conseguiram fugir, auxiliados por um pastor simpatizante da FRELIMO. O grupo seguiu viagem até a África do Sul, partindo em seguida para Botsuana — onde foram novamente detidos, agora pelas autoridades coloniais britânicas.
Cedendo aos apelos da FRELIMO e da Organização da Unidade Africana (OUA), os britânicos entregaram os jovens para o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Os funcionários da ONU transferiram o grupo para um campo de refugiados na Zâmbia, onde eles finalmente receberam autorização para concluir a jornada. Em agosto de 1965, após quatro meses de viagem e mais de 3.200 quilômetros percorridos, o grupo finalmente chegou à Tanzânia.
Legado de Josina inspirou a criação da Organização da Mulher Moçambicana (OMM)
O Destacamento Feminino
Logo após sua chegada a Dar es Salaam, Josina começou a trabalhar no Instituto Moçambique, onde serviu como assistente de Janet Mondlane — diretora do instituto e esposa de Eduardo Mondlane, o presidente da FRELIMO.
A competência e dedicação de Josina lhe valeram o convite para organizar os cursos de educação política para as mulheres da organização. Pouco tempo depois, Josina receberia de Mondlane a oferta de uma bolsa de estudos na Suíça. Ela recusaria, afirmando preferir atuar na linha de frente no combate contra Portugal.
Em 1967, Josina integrou o grupo de 25 mulheres moçambicanas selecionadas para receber treinamento militar e estudar técnicas de guerrilha em Nachingwea, no sul da Tanzânia. Durante o treinamento, ela iniciou um relacionamento amoroso com Samora Machel, o comandante do Exército revolucionário.
Josina ajudou a criar o Destacamento Feminino da FRELIMO, ao lado de guerrilheiras como Marina Pachinuapa, Mónica Chitupila, Paulina Nkunda e Filomena Nashake. A criação do destacamento teria uma enorme importância para os rumos do conflito, ao mesmo tempo em que se tornaria um marco do processo de integração das mulheres moçambicanas na luta pela libertação nacional.
O Destacamento Feminino auxiliava na defesa das áreas libertadas pela FRELIMO, prestava socorro às vítimas da guerra e dava apoio aos guerrilheiros na linha de frente, vigiando instalações e coordenando o fluxo de suprimentos.
As ações sociais da FRELIMO
O Destacamento Feminino desempenhou outro papel essencial para o fortalecimento do apoio popular à luta independentista. A unidade organizava ações de conscientização política junto às comunidades libertadas, explicando quais eram os objetivos do programa socialista da FRELIMO.
Josina ajudou a conceber o projeto de educação política do destacamento — que logo se transformaria em um amplo programa de proteção social. À medida em que os guerrilheiros iam libertando áreas do território moçambicano do domínio português, a FRELIMO construía escolas, creches e clínicas médicas. As famílias das vítimas do conflito passaram a receber apoio psicológico e financeiro. Foram criados mutirões para construir moradias destinadas às pessoas desalojados pela guerra. E as crianças que ficaram órfãs eram encaminhadas para centros de acolhimento.
As ações sociais consolidaram a imagem positiva da FRELIMO — e fortaleceram a liderança política de Josina. Em 1968, ela foi eleita como delegada para o Segundo Congresso da Frente de Libertação. Na ocasião, ela advogou a favor da inclusão completa das mulheres na luta pela independência de Moçambique e defendeu a primazia do pensamento revolucionário socialista na condução da guerra popular contra Portugal.
Após o congresso, Josina assumiu a seção deminina do Departamento de Relações Exteriores da FRELIMO. Nessa função, ela participou de uma série de conferências e reuniões internacionais, defendendo a participação igualitária das mulheres nos processos políticos. Sua proeminência e papel de liderança institucional tiveram grande impacto na visibilidade das mulheres e na luta pela igualdade de gênero em Moçambique.
Josina também assumiu a chefia do Departamento de Assuntos Sociais da FRELIMO. Durante sua gestão, ela criou as redes de creches e centros infantis de Cabo Delgado e Niassa, inaugurou o Centro Educacional de Tunduru, construiu novos centros de saúde e implementou serviços de apoio para as famílias carentes.
Os últimos anos de Josina
Em março de 1969, Josina se casou com Samora Machel, futuro presidente da FRELIMO. Meses depois, ela daria à luz o seu único filho, Samora Junior, o “Samito”.
Josina retomou suas atividades políticas logo após o nascimento do filho, mas foi acometida de fortes dores abdominais. Durante uma viagem à União Soviética, ela recebeu o diagnóstico de câncer de fígado. A líder moçambicana ainda faria um périplo pelas províncias de Niassa e Cabo Delgado, visando organizar a criação de uma rede de equipamentos públicos. Ela também participaria da Segunda Conferência do Departamento de Defesa, novamente reivindicando a integração das mulheres nas ações militares. A saúde debilitada, entretanto, logo limitaria suas atividades políticas.
Josina Machel faleceu no dia 7 de abril de 1971, aos 25 anos de idade, comovendo profundamente o povo moçambicano. Sua data de morte foi convertida em Dia da Mulher Moçambicana, rememorado anualmente como um feriado nacional.
Seu viúvo, Samora Machel, se tornaria o primeiro presidente de Moçambique, logo após a independência do país, conquistada em 1975.
O legado de Josina inspirou a criação da Organização da Mulher Moçambicana (OMM), um braço da FRELIMO dedicado a promover a organização política das mulheres e a emancipação feminina. Josina empresta seu nome à principal escola secundária de Maputo e a um hospital em Angola. Uma rua no Rio de Janeiro também foi batizada em sua homenagem.
Fonte: Opera Mundi