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Há 41 anos, em 16 de abril de 1984, ocorria em São Paulo o comício de encerramento das “Diretas Já”, movimento de oposição à ditadura militar que reivindicava eleição direta para presidente. Conforme as estimativas divulgadas à época, o gigantesco ato levou 1,5 milhão de pessoas ao Vale do Anhangabaú — um feito sem precedentes.
O movimento das “Diretas Já” foi uma das campanhas de maior adesão popular da história do Brasil. Após décadas de repressão e restrições aos direitos civis e políticos, os movimentos sociais, partidos de oposição, sindicatos, artistas e intelectuais se mobilizaram para exigir o direito de escolher seus governantes.
As grandes manifestações organizadas pelo movimento visavam pressionar o Congresso Nacional a aprovar a Emenda Dante de Oliveira, que propunha a restauração da eleição direta para a Presidência da República. A emenda foi derrotada no parlamento, mas a mobilização popular ajudou a erodir as últimas bases de sustentação do regime, culminando com o início do processo de redemocratização em 1985.
A distensão
A insatisfação popular com a ditadura militar brasileira havia sido escancarada durante a eleição geral de 1974, quando o Movimento Democrático Brasileiro (MDB, a legenda da oposição permitida) recebeu a ampla maioria dos votos, relegando a Aliança Renovadora Nacional (ARENA, partido oficial do regime) à condição de minoria no congresso.
A perda de apoio político motivou a ditadura a realizar algumas concessões, instituindo um processo de distensão gradual das medidas restritivas. Com a emergência do Novo Sindicalismo e as greves operárias do ABC Paulista, a oposição ao regime foi revigorada.
O retorno de exilados políticos após a promulgação da Lei da Anistia e a abolição do bipartidarismo criaram ambientes mais favoráveis à rearticulação da esquerda e o surgimento de novos partidos. O MDB foi sucedido pelo PMDB e Leonel Brizola fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT).
Luiz Inácio Lula da Silva, elevado à condição de maior liderança popular do país desde que organizara as greves do ABC, conseguiu aglutinar boa parte dos sindicalistas, intelectuais e movimentos sociais em torno do Partido dos Trabalhadores (PT).
Em 1982, foram instituídas eleições diretas para o cargo de governador. A oposição à ditadura venceu em dez estados — incluindo os mais populosos — reafirmando o descontentamento popular com o regime.
A campanha das Diretas Já
Em meio ao clima de agitação política e crescente pressão pela redemocratização, o deputado Dante de Oliveira, do PMDB, apresentou uma proposta de emenda constitucional que restabeleceria a eleição direta para a Presidência da República já no pleito seguinte, extinguindo o Colégio Eleitoral que, na prática, apenas ratificava o nome escolhido pela cúpula dos militares.
A proposta contou com a adesão do PT, PDT e PMDB. As três legendas acreditavam que o contexto econômico, marcado pelo aumento da inflação, arrocho salarial e perda de poder de compra, ajudaria a mobilizar as massas, aumentando a pressão sobre os militares para avançar rumo à redemocratização.
A ideia de criar um movimento reivindicando as Diretas Já em apoio à Emenda Dante de Oliveira foi proposta pelo senador alagoano Teotônio Vilela, durante sua participação no Canal Livre da Rede Bandeirantes.
Em março de 1983, cerca de 100 moradores da cidade pernambucana de Abreu e Lima organizaram a primeira manifestação exigindo as Diretas Já. Outros protestos de pequeno porte também ocorreram em Goiânia, Teresina e outras cidades de Pernambuco (instadas pelo ex-governador Miguel Arraes).
Em novembro de 1983, os dez governadores de oposição assinaram um manifesto conjunto em apoio à Emenda Dante de Oliveira, afirmando publicamente o apoio às eleições diretas para presidente.
As grandes manifestações
Em 27 de novembro de 1983, o PT organizou em São Paulo a primeira manifestação de grande porte em favor das Diretas Já.
O ato ocorreu na Praça Charles Miller, em frente ao Estádio do Pacaembu, e reuniu dezenas de milhares de pessoas. PDT, PMDB, União Nacional dos Estudantes (UNE), Central Única dos Trabalhadores (CUT), Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) e Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo (CJP) aderiram ao ato, ajudando a engrossar a participação popular.
A manifestação de São Paulo foi o marco inicial da coordenação suprapartidária da campanha, que ganhou o apoio de mais de 70 entidades da sociedade civil. Mais de um milhão de folhetos foram distribuídos, com a palavra de ordem “Por eleições livres e diretas para presidente da República. Contra o arrocho e o desemprego. Fora o FMI. Contra a agressão dos Estados Unidos aos povos da América Latina”.
Nos meses seguintes, os atos pelas Diretas Já se espalharam por todo o país, congregando um número cada vez maior de manifestantes, convertendo-se em um movimento de massas sem precedentes. Algumas das maiores manifestações já vistas na história do Brasil ocorreram nesse período.
Em 25 de janeiro de 1984, uma segunda manifestação em São Paulo levou 300 mil pessoas à Praça da Sé. Um mês depois, Belo Horizonte ultrapassaria o público paulistano, levando 400 mil pessoas à Avenida Afonso Pena. Em Goiânia, 300 mil pessoas foram à Praça Cívica.
Majestoso, o Comício da Candelária no Rio de Janeiro mobilizou um público estimado em até um milhão de manifestantes. A marca seria superada uma semana depois no terceiro ato de São Paulo, quando 1,5 milhão de pessoas, conforme as estimativas da época, marcharam entre a Praça da Sé e o Vale do Anhangabaú.
Manifestação das Diretas Já em Brasília
Apoiadores e detratores
Lula e Brizola se destacaram como os principais líderes do movimento — o primeiro mobilizando as massas e as organizações sindicais e o segundo articulando a unificação das oposições.
As Diretas Já também ganharam a adesão de parte considerável da classe artística. Cantores como Chico Buarque, Beth Carvalho, Martinho da Vila, Fafá de Belém e Jards Macalé, atores e atrizes como Gianfrancesco Guarnieri, Renata Sorrah, Dina Sfat, Eva Wilma e Fernanda Montenegro foram alguns dos nomes que compareceram aos palanques e ajudaram a mobilizar as multidões.
Jogadores de futebol como Sócrates e Carlos Casagrande e o cartunista Ziraldo foram outros nomes que se destacaram entre os apoiadores do movimento. O narrador esportivo Osmar Santos aceitou convite para ser o locutor oficial dos comícios.
Aliada da ditadura militar, a grande imprensa foi surpreendida pela pujança dos atos. Visando mitigar o movimento, as redes de televisão deram pouca atenção às manifestações, ignorando a maioria dos eventos e até mesmo inventando factoides para justificá-los. A Rede Globo chegou a dizer que a manifestação pelas Diretas Já sediada na Praça da Sé era uma celebração do aniversário de São Paulo.
A emissora só foi admitir a existência das manifestações populares após o gigantesco comício da Candelária. A manipulação não passou despercebida pelos telespectadores, que passaram a entoar nessa época os primeiros gritos de “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”.
O jornal O Globo também criticou o comício da Praça da Sé, qualificando-o como “sôfrego oportunismo de uns tantos oposicionistas vorazes de poder e que, cegos de ambição, não hesitam em forçar caminhos perigosíssimos para a paz pública”.
Antecipando-se às mudanças políticas iminentes, a Folha de S. Paulo, outrora uma aliada de primeira linha da ditadura, virou a casaca e passou a apoiar as Diretas Já.
O incômodo da caserna
A votação da Emenda Dante de Oliveira estava marcada para 25 de abril de 1984. Uma semana antes da votação, o governo federal decretou as Medidas de Emergência — dispositivo legal que substituíra o AI-5, a ser acionado em casos de “ameaça à ordem pública”.
O presidente João Baptista Figueiredo incumbiu o general Newton Cruz de executar as medidas. Para intimidar a população, o oficial alocou tropas militares ao longo de toda a Esplanada dos Ministérios e da Praça dos Três Poderes no dia da votação.
Montado em um cavalo branco, Newton Cruz coordenou a repressão à multidão que chegava ao congresso para pressionar os parlamentares a votar a favor da emenda. Os manifestantes foram perseguidos por cavalos e pelotões armados e subjugados por bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo.
Um providencial blecaute de energia, alegadamente causado por falhas na rede de transmissão da Eletrobras, impediu momentaneamente que a votação da emenda fosse transmitida para as regiões Sul e Sudeste do Brasil.
A votação da emenda
Na noite de 25 de abril de 1984, após uma série de discursos e disputas regimentais, iniciou-se à votação da emenda, tão aguardada pela população brasileira.
A expectativa se converteu em frustração tão logo o painel do plenário foi exibido. A emenda havia conseguido 298 votos a favor — 22 a menos do que o necessário para sua aprovação.
Em uma manobra dos parlamentares aliados ao regime para derrotar a Emenda Dante de Oliveira, 112 deputados deixaram de comparecer à votação.
Indignação e revolta tomaram conta dos presentes. Visivelmente abatido, Ulysses Guimarães, consensualmente tido como o candidato da oposição, foi conduzido ao gabinete por duas mulheres aos prantos — a economista Maria da Conceição Tavares e a jornalista Cristina Tavares.
A derrota da emenda atrasou o processo de redemocratização em cinco anos. Não obstante, o movimento das Diretas Já havia crescido de tal maneira que o regime se tornara insustentável.
João Baptista Figueiredo não conseguiria impor o seu candidato, sendo derrotado pelo postulante oposicionista Tancredo Neves no próprio Colégio Eleitoral.
A eleição geral de 1986 terminou de erodir as bases de sustentação do regime, consolidando a força da oposição na Assembleia Nacional Constituinte, responsável por elaborar a Carta Magna promulgada dois anos depois.
Por fim, em 1989, após duas décadas de ditadura, os brasileiros realizariam sua primeira eleição direta para a Presidência da República.
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Fonte: Opera Mundi