A advogada indígena Inory Kanamari e a liderança e ativista do povo Botocudos do Uaiumi, Bárbara Nascimento (Composição de Belle Pena/CENARIUM)
16 de abril de 2025
Carol Veras – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Os povos originários e a inclusão social foram temas em destaque em um encontro realizado na Universidade Paulista (Unip), na noite dessa terça-feira, 15. Personagens importantes para a representatividade indígena presidiram o debate, intitulado “Povos Indígenas: Direitos, Resistência e a Construção de uma Sociedade Justa e Inclusiva”.
Compondo a discussão, esteve presente a primeira advogada indígena do povo Kanamari, Inory Kanamari, e a jornalista e diretora-geral da Rede Cenarium, Paula Litaiff. De forma remota, participaram a liderança e ativista do povo Botocudos do Uaiumi, Bárbara Nascimento, e o articulista de questões indígenas Roger Chambi. O debate ocorreu em alusão ao Dia dos Povos Indígenas, comemorado em 19 de abril.
Durante o evento, os participantes abordaram os desafios enfrentados por comunidades indígenas na formulação e no acesso a políticas públicas. Inory Kanamari destacou a ausência de perspectivas indígenas nos planejamentos institucionais e a desigualdade no acesso à Justiça. “As políticas públicas foram criadas por pessoas brancas, ricas e classistas. Saúde, educação e outros direitos básicos não chegam até aos povos indígenas”, afirma.
A advogada também relatou obstáculos estruturais enfrentados por indígenas em processos judiciais, sobretudo em áreas remotas. “O serviço jurídico não é planejado para nós. O juiz não pensa que um indígena precisa de R$ 3 mil ou 200 litros de gasolina para se locomover. É difícil cumprir prazos nessas condições. Às vezes, nem as audiências on-line são viáveis, pois as placas solares não funcionam bem durante o período chuvoso”, disse.
Com o objetivo de ampliar o acesso de povos indígenas ao Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou as Resoluções nº 453 e nº 454, ambas de 2022. A primeira criou o Fórum Nacional do Poder Judiciário para Monitoramento e Efetividade das Demandas Relacionadas aos Povos Indígenas e Tribais (Fonit). Já a segunda estabelece diretrizes para assegurar o direito de indígenas à Justiça, alinhando-se a princípios do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Entre os principais pontos da Resolução nº 454 está a obrigação de que o Ministério Público e a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) sejam intimados em ações que envolvam comunidades indígenas. O texto ainda determina que os tribunais garantam, por exemplo, a autoidentificação étnica dos envolvidos, o uso de intérpretes indígenas, perícias antropológicas e a comunicação processual em linguagem acessível e intercultural.
A norma também prevê o direito de ingresso em juízo sem necessidade de formalização como pessoa jurídica e a extensão de prerrogativas da Fazenda Pública a povos e comunidades indígenas. As citações devem ser feitas, preferencialmente, de forma presencial, e as manifestações orais podem ser prestadas na língua nativa, com garantia de tradutor.
Em processos que envolvam disputas territoriais, é obrigatória a notificação de órgãos como a Funai, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e o povo indígena afetado, com estímulo ao diálogo intercultural. A decisão também prevê a possibilidade de audiências públicas ou inspeções judiciais para ouvir as comunidades.
Dia dos Povos Indígenas
A data passou a ser chamada oficialmente de Dia dos Povos Indígenas desde a propositura da Lei 14.402/22, promulgada em 2022. A mudança do nome da celebração tem o objetivo de explicitar a diversidade das culturas dos povos originários. A lei é oriunda do Projeto de Lei 5466/19, da deputada Joenia Wapichana (Rede-RR).
Para Wapichana, a intenção ao renomear a data é ressaltar o valor dos povos indígenas para a sociedade brasileira. “O propósito é reconhecer o direito desses povos de, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, assumir tanto o controle de suas próprias instituições e formas de vida quanto de seu desenvolvimento econômico”, afirmou a deputada quando o texto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
O governo, no entanto, acabou vetando integralmente a proposta. Para o Ministério da Justiça e Segurança Pública, não haveria interesse público na alteração, uma vez que a Constituição adota a expressão “Dos Índios”. Em sessão conjunta do Congresso Nacional, os parlamentares derrubaram o veto.
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Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Gustavo Gilona
Fonte: Revista Cenarium