Por Rafael Medreiros
TREZZE Comunicação Integrada / Jornal Clandestino / Espiasó Podcast
MC Poze ontem. Um traficante branco com 30 quilos de cocaína hoje. E o Brasil acorda mais uma vez com a lição cotidiana de seu apartheid jurídico.
Enquanto o primo do deputado federal bolsonarista Nicolas Ferreira era preso com carga digna de tráfico internacional, a cena foi discreta, quase protocolar. Sem helicópteros, sem transmissões ao vivo, sem humilhações públicas. Apenas o silêncio que se reserva aos crimes de colarinho branco.
Nas mesmas 24 horas, um artista preto é algemado por cantar sua realidade.
Um ex-deputado branco que disparou um fuzil contra agentes da PF dorme tranquilamente em casa.
Um ex-presidente branco cumpre sua “pena” numa mansão à beira-mar por causa de… apneia do sono.
E os financiadores das milícias do 8 de Janeiro?
Continuam soltos. Continuam fazendo apologia ao golpe.
Nos mesmos perfis de rede social, nos mesmos programas de TV, nas mesmas portas de quartel.
A pirotecnia branca da CPI das Apostas virou espetáculo de mídia. Enquanto isso, milhares de famílias negras são destruídas todos os dias pelas casas de apostas digitais. Virgínia, loira e sorridente, transformou um debate sobre vício e miséria em entretenimento para as elites. Resultado?
Nenhum dono de cassino preso.
Nenhum político responsabilizado.
Só mais um show. Só mais uma encenação.
Roberto Jefferson recebeu a Polícia Federal com tiros de fuzil. Feriu uma agente. E saiu de lá com escolta VIP, cela especial, prisão domiciliar. Enquanto isso, MC Poze do Rodo é arrastado descalço, sem camisa, com a cabeça abaixada, humilhado diante da filha pequena e da esposa.
O crime dele? Cantar a mesma realidade que a TV Globo transforma em novela – com roteiros escritos por autores brancos em apartamentos de Copacabana.
Os números não mentem. Eles escancaram. Mas o país prefere esquecer:
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O sistema prisional é 64% negro.
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Para cada branco preso por tráfico, há três negros.
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80% dos mortos em operações policiais são negros.
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90% das prisões domiciliares são concedidas a brancos.
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70% dos investigados por crimes financeiros são brancos.
Isso não é acaso.
É projeto.
Enquanto um jovem preto é revistado por portar um cigarro, engravatados fecham novos esquemas de corrupção nos mesmos restaurantes onde juízes e promotores brindam com vinho caro.
Enquanto um menino negro da favela é morto por um tiro de fuzil da polícia, os verdadeiros golpistas – os que incendiaram Brasília – continuam soltos. Continuam fazendo apologia ao golpe em plena luz do dia.
A pergunta que ecoa, que sangra, que não quer calar:
Quantos quilos de cocaína um branco precisa traficar para ser tratado como um preto com um baseado?
Quantos tiros de fuzil um branco pode disparar contra a PF antes de ser algemado como um jovem da periferia?
Enquanto isso não for respondido,
a “apologia” seguirá sendo apenas mais uma arma do genocídio.
Rafael Medreiros
TREZZE Comunicação Integrada / Jornal Clandestino / Espiasó Podcast
Fontes:
DEPEN – Levantamento Nacional Penitenciário (2022)
FBSP – Anuário da Violência (2023)
MPF – Dados sobre Crimes Financeiros (2023)
STF – Processo do 8/1 (2023)
MPF – Prisão de Roberto Jefferson (2022)