A pressão dos familiares e do governo etíope impediu um leilão da tradicional Capitolium Art da Itália, marcado para esta terça-feira (08/04), dos pertences roubados de Ras Desta Damtew, um dos grandes heróis da resistência contra o fascismo italiano durante a Segunda Guerra Mundial.
A interrupção acontece poucos meses após a medalha da Ordem Imperial da Estrela da Etiópia, pertencente ao herói etíope, ter ido a leilão na Suíça, o que levantou a reação imediata dos familiares de Ras Desta.
Desta vez, a Autoridade do Patrimônio Etíope (EHA) escreveu uma carta à casa de leilões solicitando o cancelamento da venda. “Acreditamos que este item foi saqueado durante a ocupação italiana da Etiópia (1935-1941) e, portanto, é uma propriedade roubada que não deve ser leiloada e deve ser restituída, a menos que o vendedor possa fornecer qualquer evidência contrária de uma procedência legal”, diz o texto.
O órgão também pediu à casa de leilões que entrasse em contato com o vendedor para providenciar “a devolução deste importante item patrimonial saqueado para a Etiópia.” Em 1º. de abril, a Capitolium respondeu confirmando o cancelamento, mas não revelou a identidade do vendedor.
Alegou “obrigações de confidencialidade” e disse transmitiria “devidamente” as preocupações e forneceria o contato dos familiares para que possa entrar em contato “caso deseje fazê-lo”.
Indignação dos familiares
Ao Africa Report, uma das netas de Ras Desta, Yeshimebet Kassa, destacou que seu avô é um herói e que “deveria ter sido tratado como um prisioneiro de guerra”.
“Este homem foi assassinado. Minha mãe estava no exílio quando ele foi morto, ela tinha uns oito anos e nunca mais viu o pai depois da guerra (…) É doloroso para nós que as pessoas pensem em comercializar o que aconteceu. Essas coisas irem a leilão foi incrivelmente ofensivo para nós”, apontou.
Reprodução YouTube
Em janeiro deste ano, por ocasião do leilão da medalha, a Galerie Numismatique chegou a sugerir a família que comprasse a peça por € 69.000 (cerca de R$ 455 mil). “Não apoiaremos a venda de itens saqueados, isso criaria um precedente horrível”, afirmou Yeshimebet.
Sem alcançar o valor estipulado pelo suposto vendedor Philip Eagleton, um colecionador de arte britânico, a medalha em ouro maciço não foi vendida.
Aos possíveis compradores da peça, a plataforma online LiveAuctioneers informava que a medalha era de propriedade de um soldado italiano que “estava presente na captura do príncipe”, inclusive dando detalhes sobre o seu assassinato.
“Eles não estavam de forma alguma tentando esconder a proveniência deste item, e estavam até usando as circunstâncias pessoais de sua morte e execução como um ponto de venda”, lamentou à emissora catari Al Jazeera outra neta de Ras Desta, Amaha Kassa, diretora da African Communities Together.
Anos de luta
Executado aos 44 anos, em fevereiro de 1937 pelos fascistas italianos, Ras Desta era genro do imperador etíope Haile Selassie, e foi uma das lideranças dos Patriotas, grupo de resistência armada contra a ocupação italiana no país, ocorrida entre 1935 e 1941.
Em sete anos de ocupação, milhares de etíopes foram assassinados e vários artefatos da Etiópia, hoje vistos em museus britânicos e italianos, foram saqueados.
O artigo 37 dos tratados de paz de Paris, de 1947, obrigava a Itália, num prazo de 18 meses, a “restaurar todas as obras de arte, objetos religiosos, arquivos e objetos de valor histórico etíopes removidos da Etiópia para a Itália desde 3 de outubro de 1935”.
O país só devolveu – e 70 anos depois – um monumento de granito de 1.700 anos, conhecido como obelisco de Axum.
A ação do governo da Etiópia e dos familiares do herói nacional é um dos exemplos de uma discussão que vem ganhando força nos países do continente africano, saqueados, por séculos, pelas potências europeias.
Fonte: Opera Mundi