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Parece quase idiota dizer isso, mas me pareceu necessário escrever. Não pergunte a uma vítima de assalto como foi esse momento. Nem faça ela te dizer onde você estava, com quem, a que horas e como isso se deu.
Infelizmente passei por isso há pouco mais de uma semana e me vi questionada inúmeras vezes com perguntas assim. Eu entendo a curiosidade que, em primeiro lugar, acredito ser uma genuína preocupação. Mas a verdade é que também senti em cada pergunta uma espécie de conferência. Funciona mais ou menos assim. Ao questionar, a maioria das pessoas quer saber se frequenta o lugar em que ocorreu ou ainda se por acaso se comporta de alguma maneira que também a coloca em risco de passar por algo assim.
Racionalmente, eu sei que não tenho culpa nenhuma em nada do que aconteceu. No entanto, toda vez que me perguntaram, mesmo sem que essa tenha sido essa a intenção, fui para aquele lugar horrível de me questionar um pouco sobre alguma responsabilidade no que aconteceu.
Então, passei a responder que estava sem celular ou sem cartão sem dizer o motivo. A opção evitava novas perguntas difíceis. Só que ao fazer isso, as pessoas me demandavam uma agilidade em tudo e minha mente simplesmente não estava conseguindo atingir essa velocidade. E, mesmo assim, dei conta de um zilhão de coisas na última semana. Só que, para alguns, tudo é urgente, agora. Nada é suficiente. Os prazos e tarefas vão construindo quase uma máquina de moer pessoas e isso vai nos atropelando a ponto de fazer você esquecer que tem direito sim de não conseguir fazer algo porque sequer consegue definir o que está te corroendo internamente.
Decidi escrever sobre isso por algumas razões. Primeiro, porque acho que eu sempre supero melhor minhas questões quando eu consigo colocá-las em palavras. Então, eu ainda sinto uma dor interna difícil de explicar. Esse sentimento vem e volta junto com detalhes daquele momento.
Então, obviamente, foi uma semana bem importante pra mim e vivi coisas muito bonitas. Mas é complexo porque a vida não é linear. Pelo contrário, ela é múltipla e a vida do instagram por vezes faz as pessoas acharem que você mora numa fantasia. Esse, inclusive, é o segundo motivo que me traz a essa reflexão.
Nestes mesmos dias, alguém me escreveu uma mensagem dizendo que ficava impressionada com o tanto de coisa “incrível” que eu faço “todo dia”. Eu estou muito longe de poder dizer que a minha vida é uma merda. Seria até injusto com tudo que tanto me protege, mas eu fiquei pensando que, ao dividir uma fração mínima do meu cotidiano, eu também estava reforçando ideias equivocadas sobre uma vida com ausência de problemas. E eles são tantos…
Em resumo, não dividimos imagens ou palavras de nossas dores porque ninguém gosta de contar derrota. Além de tudo, é doloroso. Mas a verdade é que somos todos muito humanos e mais comum do que se imagina fazer coisas ditas “incríveis” enquanto você também enxuga as lágrimas depois de uma experiência bastante dolorosa.
Por isso, quando você encontrar alguém que foi assaltado, pergunta só como a pessoa está. O resto você deixa ela escolher se quer te contar.
Fonte: ICL Notícias