Pesquisadores da NASA conseguiram, pela primeira vez, simular com realismo em laboratório o processo químico que poderia gerar moléculas de água na superfície da Lua. A hipótese, que vem sendo discutida desde os anos 1960, aponta que o vento solar — fluxo de partículas carregadas emitido constantemente pelo Sol — pode interagir com o solo lunar e formar tanto hidroxilas quanto água.
O resultado do estudo foi publicado no Journal of Geophysical Research: Planets e pode ter implicações diretas nas futuras missões do programa Artemis, que pretende levar astronautas ao polo sul lunar. Nessa região, acredita-se que parte da água esteja congelada em áreas permanentemente sombreadas, um recurso essencial para a exploração espacial sustentada.
Sol, hidrogênio e solo lunar formam combinação potencialmente produtiva
- Segundo os cientistas, o vento solar é composto majoritariamente por prótons — núcleos de átomos de hidrogênio que perderam seus elétrons — e viaja a mais de 1,6 milhão de km/h.
- Enquanto a Terra possui uma magnetosfera e atmosfera que bloqueiam essas partículas, a Lua está desprotegida, permitindo o contato direto entre os prótons e o regolito, material rochoso e poroso que cobre sua superfície.
- Nessa interação, os prótons colidem com elétrons presentes no regolito e formam átomos de hidrogênio.
- Esses átomos, por sua vez, podem migrar e se ligar ao oxigênio abundante em minerais lunares, como a sílica, gerando hidroxila (OH) e, eventualmente, moléculas de água (H₂O).
Evidências reforçam papel ativo do vento solar
Estudos anteriores já identificaram sinais de hidroxila e água nos milímetros superiores do solo lunar. Essas moléculas deixam uma “impressão digital” química — uma queda característica em gráficos de espectroscopia que mostram como a luz interage com o regolito. No entanto, os instrumentos atuais não conseguem diferenciar com precisão entre água e hidroxila, levando os cientistas a usarem o termo “água” de forma genérica.
Uma das principais pistas que já indicavam o papel do vento solar era a variação do sinal espectral ao longo do dia lunar. Em regiões observadas, o sinal se intensificava nas manhãs frias e diminuía durante o aquecimento da superfície, voltando a aumentar à noite. Essa oscilação diária sugere a presença de uma fonte ativa — provavelmente o próprio vento solar — repondo continuamente pequenas quantidades de moléculas.
Equipamento desenvolvido para evitar contaminação
Para validar a hipótese, os pesquisadores da NASA desenvolveram um aparelho inédito que simula o ambiente lunar em laboratório, evitando que as amostras fossem expostas à umidade da Terra. O equipamento reuniu, em uma mesma câmara selada, um feixe de partículas simulando o vento solar, uma câmara de vácuo e um detector de moléculas.
“Levamos tempo para desenhar e ajustar o sistema, mas o esforço valeu a pena”, afirmou Jason McLain, cientista da NASA Goddard e coautor do estudo. “Ao eliminar possíveis fontes de contaminação, conseguimos confirmar que essa teoria antiga sobre o vento solar está correta.”
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Simulação acelerada de 80 mil anos
A equipe usou amostras de poeira lunar coletadas durante a missão Apollo 17, em 1972. Após serem “assadas” para remover qualquer traço de umidade adquirido desde sua coleta, as amostras foram bombardeadas com partículas por vários dias, simulando cerca de 80 mil anos de exposição ao vento solar.
Com o uso de um espectrômetro, os pesquisadores mediram como a luz refletida pelas amostras mudava ao longo do tempo. Foi observada uma queda no sinal exatamente na região do espectro infravermelho — por volta de 3 micrômetros — onde a água costuma absorver energia, indicando a provável formação de hidroxila e água nas amostras analisadas.
Embora os cientistas não tenham conseguido comprovar de forma definitiva que moléculas de água completas foram geradas, o formato e a profundidade da alteração no sinal apontam para a presença dos dois tipos de moléculas. Isso reforça a teoria de que o vento solar pode ser um agente constante de formação de água na Lua — um dado relevante para a utilização de recursos in situ em futuras missões espaciais.
Fonte: Olhar Digital