Em meio a denúncias de fraude no contexto pós-eleitoral do Equador, onde o presidente Daniel Noboa, do partido de extrema direita Ação Democrática Nacional, foi reeleito no último domingo (13/04), a economista feminista equatoriana Magdalena León analisou a Opera Mundi que o novo governo do conservador deve “continuar uma linha de repressão” que instalou contra o partido progressista Revolução Cidadã, liderado por Luísa González, candidata que ele superou no segundo turno.
“Essa repressão se aprofundará porque agora eles [representantes e apoiadores do governo Noboa] têm um sentimento de maior apoio e legitimidade”. A também integrante da Rede Latino-americana Mulheres Transformando a Economia (REMTE) exemplificou: em Quito, a capital equatoriana, que é comandada por Pabel Muñoz, do Revolução Cidadã, o governo Noboa “inventou algum tipo de infração eleitoral” em sua eleição em fevereiro de 2023 para removê-lo do cargo.
“Esse tipo de assédio não é apenas sobre não conceder orçamento aos políticos do Revolução Cidadã, mas também sobre criar situações judiciais inventadas. E isso vai continuar, e vai aumentar. O panorama é preocupante”, declarou em entrevista exclusiva.
Campanha de perseguição por trás da reeleição de Noboa
León afirma que essa perseguição decorre porque o Revolução Cidadã, partido fundado pelo ex-presidente Rafael Correa (2007-2017) “decidiu” se opor de forma “permanente, diária e intensa” contra o conservadorismo no Equador, que com a reeleição de Noboa, durará até 2029. Segundo a economista, esse tem sido um “objetivo declarado” da esquerda equatoriana.
Por outro lado, o neoliberalismo no país tem visado “banir o comunismo, mesmo que a economia do país seja sacrificada”, disse a especialista, citando o ex-presidente León Febres-Cordero (1984–1988), símbolo da direita conservadora do país.
“Essa é a atmosfera em que a resistência progressista se desenvolveu durante todo esse tempo, tanto politicamente quanto eleitoralmente”, explica.
Além da perseguição, a economista lembra que o processo eleitoral equatoriano “foi gerenciado em termos autoritários e abusando do respeito às normas democráticas”, como Noboa não ter se afastado de suas funções governamentais, de acordo com o que exige a lei do país quando um político anuncia sua candidatura.
Durante a campanha, o conservador mobilizou recursos públicos, usou as instituições e os funcionários do governo e, às vésperas da eleição, decretou estado de emergência em várias províncias que eram mais favoráveis a González.
A manipulação midiática que promoveu uma “campanha de ataques contra o Revolução Cidadã e González” não ficou de fora do plano de reeleição de Noboa. Seu governo também “bateu de porta em porta” entregando alimentos às pessoas. “Isso tem impacto sobre uma população empobrecida e carente”, desassistida pelos próprios governos de direita, afirma León.
“Ele usou todo o aparato estatal para atingir uma população que não tinha sido atendida de nenhuma forma até aquele momento. Por outro lado, o clima de medo, de pavor, de violência, em um contexto de militarização [imposto pelo próprio governo Noboa], faz com que as pessoas de certa forma apostem nessa figura da força”, avalia.
León explica que “não há controle de segurança real, mas há uma percepção de que, enquanto as forças armadas estiverem nas ruas e nas prisões, pode haver uma possibilidade de controle”. Além disso, as pessoas também pensam que o curto período de seu governo [iniciado em 2023 após impeachment de Guillermo Lasso (2021-2023)] não permitiu que ele desenvolvesse uma política”, concedendo a Noboa uma espécie de segunda chance.
Levando esse contexto em consideração, a economista, que também integra a Fundação de Estudos, Ação e Participação Social (FEDAEPS) considera que o desempenho do Revolução Cidadã no segundo turno presidencial “foi muito bom”, apesar da derrota. “Em condições adversas, González conseguiu manter a possibilidade de ganhar uma eleição”, afirmou.
“A campanha de González procurou manter um perfil de unidade e de apelos à paz, o que é algo muito importante no contexto de extrema violência que o país está sofrendo. Violência obviamente provocada pelos setores de direita”, afirma.
León ainda avalia que a estratégia do Revolução Cidadã tinha “um ingrediente muito importante de recuperação do senso de dignidade, de projeto social compartilhado”, uma vez que a militarização promovida no primeiro governo Noboa gerou um “choque social”, apesar de não provocar resultados e ter interesses econômicos envolvidos, como o tráfico de drogas.
A população tem medo e insegurança, relata. “Nesse ambiente de empobrecimento, de destruição do setor público, dos serviços básicos, as pessoas têm uma visão mais curta e cotidiana. É difícil levantar o ânimo, e foi isso o que González soube fazer”, pontua.
Carlos Silva/Presidência da República
Fraude eleitoral
Falando sobre a queixa de fraude eleitoral feita pelo Revolução Cidadã após os resultados positivos a Noboa, León reconhece que é uma “denúncia importante”, mas “difícil de prosperar”.
“O governo tem controle sobre todos os poderes do Estado, o Poder Eleitoral, o Judiciário e os órgãos de controle. Então, há um alinhamento de interesses, e portanto, os espaços para o funcionamento verdadeiramente democrático estão praticamente eliminados”, afirma.
“Quando Noboa foi eleito pela primeira vez, uma regra foi quebrada: os candidatos não poderiam ter contas em paraísos fiscais. Portanto, ele não deveria ter sido presidente naquela época ou agora. Mas a institucionalidade democrática está em seu nível mínimo, é difícil recorrer a essas instâncias”, lamenta também.
León lembra que as comissões de observadores eleitorais internacionais também rejeitaram a possibilidade de fraude no pleito de domingo. Mas “mesmo que haja alguma evidência, por exemplo, das atas eleitorais sem assinaturas, estatisticamente falando, é muito raro que em um segundo turno resulte em empate técnico entre os dois candidatos”.
“Mesmo assim será muito difícil recontar os votos ou algo do gênero porque não há correlação de forças para ajudar ou não há mecanismos democráticos em vigor”, afirma a economista.
A integrante do Instituto de Estudos Equatorianos (IEE) falou, por outro lado, da importância de “deixar clara essa denúncia” porque “autoridades locais do Revolução Cidadã que foram assediadas e sufocadas pelo governo em termos orçamentários pelo governo, que não lhes dá as alocações legais e dificulta sua administração, são quase obrigadas a reconhecer o resultado favorável a Noboa”.
Apesar deste contexto negativo para o progressismo e a esquerda no Equador, a economista feminista ressalta a importância da resistência, oposição e organizações sociais “aprofundarem seu trabalho” contra a agenda de Noboa.
“Noboa afirmou no início de seu primeiro mandato que uma “guerra interna estava em vigor”, declarando um conflito armado interno e uma série de ações repressivas, perseguições, uso de recursos públicos e estados de exceção, que são ferramentas que governos podem utilizar em situações críticas, mas agora estão sendo utilizados para fins de perseguição e operações de segurança que estão completamente em desacordo com os direitos humanos. Estamos falando inclusive de desaparecimentos forçados”, denuncia.
A Opera Mundi, a especialista lembra que em meio a essas operações de segurança, a população fica desprotegida de seus direitos básicos, em um terreno muito difícil para qualquer expressão de protesto e resistência, que podem ser facilmente rotuladas como terrorismo e crime organizado.
León ainda alerta para o risco da direita convocar uma Assembleia Constituinte e mudar a atual legislação do país, de 1992, que incorpora o projeto de revolução dos cidadãos, uma noção de um Estado Democrático de Direito e justiça. “A constituição do neoliberalismo quer aprofundar esse esquema de privatização, proteção ao investimento estrangeiro, redução de direitos”, acrescentou.
Relação Noboa e Trump
Agora reeleito, cabe analisar futuros movimentos do governo Noboa, em especial referente à política externa equatoriana com a volta de Trump à Presidência dos Estados Unidos.
Para León, a relação entre os dois políticos conservadores é uma “relação que tem vários fatores”, primeiro porque o presidente equatoriano morou por muitos anos na cidade norte-americana de Miami, onde sua família tem interesses comerciais. Além disso, Noboa tem uma admiração pública à família Kennedy, do ex-presidente democrata John F. Kennedy (1961-1963) e seu sobrinho, Robert F. Kennedy Jr., atual Secretário de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos sob o governo Trump.
Ademais, é preciso considerar que os governos progressistas equatorianos que antecederam Lasso e Noboa fizeram com que os Estados Unidos “perdessem uma posição privilegiada” com o país latino-americano.
Com isso, a direita do Equador tenta “recuperar” esse espaço perdido. A economista lembra que, ainda sob o governo Lasso, o país ficou “praticamente submetido aos interesses e ao governo dos Estados Unidos” devido à aprovação de um instrumento sobre segurança.
“Foram criadas condições políticas, geopolíticas e regulatórias para que essa presença aumente e possa recuperar o nível anterior e até mesmo se tornar mais forte”, afirma.
No assunto de segurança, León conta que os Estados Unidos instalaram a base militar de Manta no Equador em 1999 e quando Rafael Correa assumiu a Presidência em 2007, o contrato com Washington, que supostamente deveria controlar o tráfico de drogas, o que não foi feito, também não foi renovado “porque ficou claro que os números mostraram que nunca houve nenhum controle com a base”.
Noboa, em seu suposto discurso pela segurança no país, retoma o assunto da base de Manta. “Então, sim, estamos diante de uma realidade, não apenas uma possibilidade de fortalecer os laços e compromissos com os Estados Unidos, com as implicações que já conhecemos para a região”, reconhece León.
Fonte: Opera Mundi