Por Rafael Medeiros – TREZZE Comunicação Integrada / Jornal Clandestino.
A palavra “antissemitismo” foi cunhada no século XIX para descrever o ódio contra judeus, mas sua raiz etimológica – “semita” – refere-se a um grupo linguístico e étnico muito mais amplo, que inclui árabes, assírios, arameus e outros povos originários do Crescente Fértil. No entanto, uma poderosa engenharia discursiva sionista, aliada aos interesses geopolíticos do Ocidente, reduziu o termo a uma narrativa unilateral: só é antissemita quem ataca judeus.
Enquanto isso, o semitismo palestino – sua ancestralidade cananeia, sua língua árabe (irmã do hebraico) e seu direito histórico à terra – é apagado. Palestinos são tratados como “invasores árabes“, apesar de estudos genéticos e arqueológicos confirmarem sua profunda ligação com a região. Como observa o historiador Ilan Pappé, judeu israelense crítico do sionismo:
“A negação da identidade indígena palestina é uma forma de antissemitismo, porque os palestinos são tão semitas quanto os judeus.“
Este artigo busca expor essa distorção histórica, mostrando como o antissemitismo foi cooptado como ferramenta política para justificar a ocupação israelense e silenciar a resistência palestina.
1. A Origem do Termo: Semitismo é Mais que Judaísmo
O termo “semita” surge da classificação linguística do século XIX, referindo-se a povos que falam línguas semíticas (hebraico, árabe, aramaico etc.). Nenhuma definição acadêmica restringe “antissemitismo” apenas a judeus.
No entanto, organizações sionistas e governos ocidentais promoveram uma redefinição política do termo. Como denuncia o jornalista Breno Altman em “Contra o Sionismo”:
“O sionismo instrumentaliza o antissemitismo para blindar Israel de críticas, transformando qualquer oposição à sua política em ‘ódio aos judeus’.“
Isso ficou claro em 2016, quando a IHRA (Aliança Internacional para a Memória do Holocausto) aprovou uma definição que equipara antissemitismo a críticas a Israel – uma manobra condenada por acadêmicos como Norman Finkelstein, filho de sobreviventes do Holocausto:
“Essa definição é um golpe de propaganda para criminalizar a solidariedade aos palestinos.“
2. O Apagamento do Semitismo Palestino
A. Ancestralidade Compartilhada
Estudos genéticos, como os do geneticista Eran Elhaik, mostram que:
– Palestinos têm forte ligação genética com os antigos cananeus e jebuseus, povos que habitavam a região antes dos reinos bíblicos.
– Muitos judeus ashkenazis têm DNA majoritariamente europeu, devido a conversões medievais (como demonstrado pelo historiador Shlomo Sand em “A Invenção do Povo Judeu”).
Ou seja: a ideia de que palestinos são ‘estrangeiros’ na Palestina é um mito colonial.
B. A Palestina Antes do Sionismo
Antes da colonização sionista no século XX, judeus, muçulmanos e cristãos conviviam na Palestina Otomana. O rabino Yisrael Dov Ber, que viveu em Jerusalém no século XIX, escreveu:
“Os árabes [palestinos] são nossos irmãos, filhos de Shem [Sem], e esta terra é tão deles quanto nossa.”
O sionismo, porém, criou a falsa dicotomia de “judeus vs. árabes”, ignorando que palestinos são semitas nativos.
3. O Antissemitismo de Verdade: O que é, e o que Não é
O antissemitismo real existe e deve ser combatido – mas não pode ser um guarda-chuva para censurar críticas a Israel. Como explica a judia antissionista Marcia Pinsky:
“Chamar um palestino de ‘terrorista’ por defender sua terra é tão antissemita quanto chamar um judeu de ‘avarento’. Ambos são estereótipos racistas contra povos semitas.”
O que NÃO é antissemitismo:
– Criticar o governo de Israel.
– Defender os direitos palestinos.
– Questionar o sionismo como ideologia colonial.
O que É antissemitismo:
– Negar o Holocausto.
– Atacar judeus por sua religião ou etnia.
– Usar estereótipos como “judeus controlam o mundo”.
4. Conclusão: Pelo Reconhecimento do Semitismo Palestino
A luta contra o antissemitismo deve incluir todos os povos semitas – incluindo os palestinos, vítimas de um projeto sionista que os desumaniza. Como escreveu o poeta palestino Mahmoud Darwish:
“Eu sou o semita da era moderna. Minha tragédia é que ainda preciso provar que existo.”
É hora de quebrar o monopólio discursivo. Antissemitismo é ódio a judeus, mas também é ódio a palestinos. Ambos têm direito à memória, à terra e à justiça.
Referências:
– ALTMAN, Breno. Contra o Sionismo.
– SAND, Shlomo. A Invenção do Povo Judeu.
– PAPPE, Ilan. A Limpeza Étnica da Palestina.
– FINKELSTEIN, Norman. A Indústria do Holocausto.
– Estudos genéticos de Eran Elhaik (Universidade de Sheffield).
Rafael Medeiros – TREZZE Comunicação Integrada / Jornal Clandestino / Espiasó Podcast.