Mulheres indígenas participaram de marcha na 21ª edição do Acampamento Terra Livre (Ana Cláudia Leocádio/CENARIUM)
08 de abril de 2025
Ana Cláudia Leocádio – Da Cenarium
MANAUS (AM) – A deputada Célia Xakriabá (Psol-MG) protocolou, nesta terça-feira, 8, quatro Projetos de Lei (PLs) que beneficiam as comunidades indígenas, que vão desde proteção contra a violência obstétrica a mulheres indígenas à concessão de incentivos fiscais à agroecologia. A iniciativa foi anunciada após a marcha do Acampamento Terra Livre (ATL), que reúne cerca de 8 mil povos originários, em Brasília, e que foram até o Congresso Nacional cobrar por respeito aos direitos assegurados na Constituição Federal.
A marcha terminou em frente ao Congresso, onde foi realizada uma sessão solene, no plenário da Câmara dos Deputados, em homenagem aos 20 anos da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e à 21ª edição do ATL, que neste ano reúne mais de 200 povos que ocupam a capital federal do Brasil para reivindicar por direitos e cobrar a demarcação de suas terras.
O PL 1527/2025 dispõe sobre normas e diretrizes para a prevenção e o combate à violência obstétrica contra mulheres indígenas, “visando garantir o respeito às particularidades culturais e à integridade física e psicológica durante o período gravídico, durante o parto e no pós-parto”.
Segundo Xakriabá, em sua justificativa, estudos indicam que entre 2015 e 2021, a taxa de mortalidade materna entre mulheres indígenas foi de 115 por 100 mil nascidos vivos, um número significativamente superior à taxa entre mulheres não indígenas, que foi de 67 por 100 mil nascidos vivos. “Esses números estão muito acima da meta estabelecida pela ONU, que visa a redução para menos de 30 mortes por 100 mil nascidos vivos até 2030”, ressalta.
O PL 1528/2025 propõe a criação de um seguro climático para os povos da floresta. Na proposta, a parlamentar prevê a alteração da Lei nº 10.420, de 10 de abril de 2002, e Art. 52 da Lei 11.775, de setembro de 2008, para incluir agricultores familiares indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e pescadores artesanais situados em todo o território nacional, entre os beneficiários do Garantia-Safra.
“A presente proposta visa atender a uma demanda urgente dos povos e comunidades tradicionais, especialmente os agricultores familiares, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, pescadores artesanais, produtores de castanhas e outros extrativistas, que enfrentam vulnerabilidade socioeconômica e são severamente afetados por eventos climáticos extremos”, justifica Xakriabá.
A terceira proposição (PL 1529/2025) altera três leis para dispor sobre o apoio à denominação de origem dos produtos ou serviços comercializáveis resultantes dos modos de ocupação tradicional dos povos indígenas. É uma forma de criar uma renda aos indígenas ligada diretamente aos saberes ancestrais que geram uma produção nos territórios.
Conforme a deputada, “o objetivo é promover o desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais, articulando as dimensões da produção econômica, da promoção social, assim como da valorização da cultura, dos modos de vida e do meio ambiente”. Além de proteger os modos tradicionais de ocupação e produção, a proposta quer também emancipar economicamente esses povos.
Já o PL 1530/2025 institui o Fundo de Apoio à Produção Agrossilvipastoril, Extrativista e Artesanal realizada por Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais (Funap-Tradicionais). A ideia é usar os recursos do fundo “para financiar e apoiar pesquisas e ações destinadas a potencializar, assistir e incentivar o desenvolvimento da produção sustentável e agroecológica para fins de comercialização nacional e internacional”. Além disso, propõe o incentivo à agroecologia, que é praticada nesses territórios tradicionais.
Segundo dia de ATL
O segundo dia do ATL foi marcado pela marcha ao Congresso Nacional, pela manhã, onde alguns grupos tiveram permissão para entrar, como o cacique Agnelo Wadzatse, da Aldeia Xavante, localizada no município Barra do Garças (MT). Ele disse que foi um dos idealizadores do Acampamento, que teve sua primeira edição em 2004, e avaliou os altos e baixos nesses 21 anos de luta com os parentes.
“Nós tivemos conquistas, vitórias, desafios e derrotas. Mas também através dessa mobilização conseguimos algumas demarcações de terras indígenas e, a nível do Brasil, a questão da saúde conseguimos a criação da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena]”, destacou.
O cacique ressalta que, atualmente, a principal batalha dos povos indígenas é contra o Marco Temporal, previsto na Lei 14.701/2023 em vigor, que estabelece a data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro, como marco para reivindicar a demarcação das terras pelos povos originários. A lei está sendo contestada no STF.
“Eles têm que respeitar já perdemos muita terra. As riquezas que nós temos, nós estamos preservando e mantendo para não ser destruído, senão acaba o rio, acaba a floresta, acaba o cerrado e acaba a água. A poluição vai piorar para quem está morando na beira, que somos nós os povos indígenas. A água é a nossa vida, é a nossa respiração. Estamos sem quase respirar direito por causa dessas derrubadas”, declarou.
A sessão solene contou, ainda, com a presença do cacique Raoni, que levou uma mensagem de incentivo aos parentes que participam das mobilizações. Segundo o intérprete, Raoni disse que já está cansado, mas com boa saúde, e que agora é a vez dos demais seguirem lutando cada vez mais pelos direitos dos povos indígenas.
A marcha contou com várias etnias usando as indumentárias tradicionais, pinturas com urucum e jenipapo, que foram entoando seus cânticos durante todo o trajeto, saindo da sede da Funarte, em Brasília, até o Congresso Nacional. Homens e Mulheres Xikrin, do município de Parauapebas-PB, levaram cartazes em defesa da educação indígena, enquanto os Xavante levantaram placas também em inglês pedindo acesso aos fundos de financiamento climático e contra os combustíveis fósseis.
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Editado por Adrisa De Góes
Fonte: Revista Cenarium